Plano de Ação para as Migrações apresentado pelo Governo constitui um retrocesso humanista e um ataque aos direitos humanos das pessoas migrantesPlano de Ação para as Migrações apresentado pelo Governo constitui um retrocesso
1.Em plena campanha eleitoral para as eleições europeias, o Governo apresentou um “Plano de Ação para as Migrações” e, em tempo recorde, aprovou, viu ser promulgado pelo Presidente da República e publicado em Diário da República, um diploma que procede à revogação dos procedimentos de autorização de residência assentes em manifestações de interesse.
2.A rapidez e a escolha cirúrgica das medidas propostas pelo Governo, sugere uma intenção clara: consagrar a sua visão utilitarista e securitária relativamente aos fluxos migratórios, ao mesmo tempo que aproveita as enormes dificuldades em que vivem as pessoas migrantes e a legitimação de discursos xenófobos, para fazer campanha eleitoral e ocupar o espaço da extrema-direita.
3.As medidas em causa assentam em vários logros: o de que existe um “crescimento exponencial” de imigrantes em Portugal e que as restrições aos movimentos migratórios são agora introduzidas por razões “humanitárias”.
4.Portugal não está a ser invadido por imigrantes; verificou-se, sim, um aumento de entrada de imigrantes em território nacional, em função, sobretudo, do aumento da oferta de trabalho em setores como o turismo, a restauração ou a agricultura – mas só com manifesta má fé é que se pode apelidar esta alteração como de “crescimento exponencial”, expressão que foi utlizada pelo Governo no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 37-A/2024, hoje publicado e que procedeu à revogação dos procedimentos de autorização de residência assentes em manifestações de interesse.
5.O que temos assistido nos últimos anos é a uma total incapacidade e falta de interesse do Estado em incluir as pessoas imigrantes e proporcionar-lhes serviços efetivos, para que estas possam regularizar a sua situação e, tal como qualquer cidadão português, aceder à habitação, à saúde, à educação ou ao trabalho, com salários dignos e direitos respeitados.
6.Durante anos, o SEF não conseguiu tramitar os processos que tinham pendentes – as manifestações de interesse e os pedidos de autorização de residência acumularam-se durante anos, sem resposta eficaz.
7.A extinção do SEF e a criação da AIMA não foi suficiente para que tais problemas fossem resolvidos – os processos continuaram a não ser tramitados de forma célere e os problemas agravaram-se.
8.Quando pensávamos ter ultrapassado a doutrina repressiva da gestão da mobilidade humana, privilegiando a gestão administrativa na tramitação dos processos em detrimento da gestão policial, eis que, por portas travessas, o governo ressuscita o extinto SEF – um imenso retrocesso.
9.Esta aposta policial que fortalece o espírito repressivo da nova política migratória traduz – com o aumento dos centros de detenção (que são autênticas prisões) e o enfoque no crime de auxílio à imigração – uma vontade de perpetuar a repressão e a criminalização da imigração.
10.Estas novas medidas anunciadas pelo Governo, que recuperam e higienizam a retorica racista da extrema-direita, não respondem às necessidades das pessoas.
11.Pior: a revogação dos procedimentos baseados em manifestações de interesse e a imposição da obrigatoriedade de visto de trabalho, assente num contrato de trabalho prévio, para que imigrantes possam entrar em território nacional, constituem mesmo um fator de ameaça efetiva aos direitos fundamentais destas pessoas.
12.Se a preocupação do Governo fosse genuinamente humanista, como apregoou a propaganda oficial, as soluções estariam direcionadas a resolver os problemas das pessoas, ajudando à tramitação célere dos processos de regularização, incentivando a sua inclusão social e a sua proteção contra situações de precariedade, que potenciam relações de exploração e a atividade de redes de tráfico humano.
13.Mas as alterações apresentadas não servem nenhum propósito humanista e podem até legitimar o falacioso discurso da invasão que alimenta o racismo e a xenofobia, como atestam os vários ataques violentos de que sofreram imigrantes um pouco por todo o país.
14.Desde logo, são insuficientes para garantir a celeridade processual – os processos irão continuar a demorar tempos infinitos, as filas de espera irão manter-se intactas.
15.E, tal como já se assistiu no passado, tais medidas vão atirar milhares de pessoas imigrantes para a clandestinidade e para vidas ainda mais precárias: irá aumentar o número de pessoas que não conseguirá regularizar a sua situação em Portugal, tornando-as mais vulneráveis à exploração.
16.É bom relembrar que os procedimentos de autorização de residência assentes em manifestações de interesse foram criados, precisamente, para responder a milhares de pessoas que se encontravam a viver em Portugal, que trabalhavam, pagavam impostos e faziam descontos para a segurança social, e que, ainda assim, não conseguiam obter autorização de residência.
17.Acresce ainda que o regresso à solução de obrigatoriedade de visto de trabalho, assente num contrato de trabalho prévio, para que os migrantes possam entrar em território nacional, constitui uma medida desadequada, face à realidade atual dos mercados de trabalho, e assenta apenas numa visão utilitarista dos fluxos migratório, descurando todas as demais razões que podem fundamentar a movimentação de pessoas no espaço.
18.Estas medidas edificam barreiras intransponíveis e atiram as pessoas migrantes para as redes de tráfico.
19.O SOS Racismo rejeita este Plano de Ação para as Migrações apresentado pelo Governo, que se constitui como um verdadeiro retrocesso humanista e um ataque aos direitos humanos das pessoas migrantes, e tudo fará para reverter as medidas que retomam o projeto de um país que institucionaliza muros burocráticos e legais que atentam contra os direitos das pessoas imigrantes.
4 de junho de 2024
SOS Racismo