Na sequência do encontro promovido pelo Governo, importa ao SOS Racismo esclarecer:
- O governo promoveu um encontro com organizações do movimento social da Área Metropolitana de Lisboa (AML) na sequência do trágico assassinato de Odair Moniz em circunstâncias ainda por apurar porque, aparentemente, muito distintas daquelas enunciadas pela PSP na sua primeira comunicação;
- O caráter opaco e pouco inclusivo do processo de convocatória começou, desde logo, por comprometer a iniciativa e a possibilidade de discutir transparente e seriamente todos os aspetos relacionados com a desigualdade, exclusão e violência raciais, bem como a impunidade que grassa no seio das forças de segurança face ao uso e abuso de violência desproporcionada.
- Não só́ se deixaram de fora muitas organizações com contributo inestimável e indesmentível sobre a defesa dos direitos destas comunidades, nomeadamente ciganas e migrantes, como se limitou, à partida, o alcance da análise e discussão ao restringi-las à área geográfica da Área Metropolitana de Lisboa, desconsiderando a dimensão estrutural e de âmbito nacional, da questão racial.
- Este processo denuncia, assim, uma falta de vontade política em desenhar políticas públicas estruturantes e transversais no combate às desigualdades com fator racial. Por estes motivos, o SOS Racismo foi das primeiras organizações a manifestar a sua discordância com o procedimento, tendo solicitado, para além da presença de todos os movimentos com intervenção nesta questão, uma abordagem nacional.
- Apesar da convocatória, com agenda muito vaga, sem especificar nem concretizar os objetivos e a expectativa do encontro por parte do executivo, aceitámos comparecer com a intenção de contribuir e de, acima de tudo, iniciar um debate aberto e frontal sobre todos os aspetos da violência racial e da exclusão social que a acompanha.
- Uma vez na reunião, O SOS Racismo fez um pedido de ponto prévio, exigindo desculpas formais da PSP à família de Odair Moniz e à sociedade portuguesa em geral, face às declarações falsas, inconsistentes e equívocas apresentadas nas declarações públicas da PSP, a suspensão imediata do agente que matou Odair, bem como a demissão da direção da PSP por ter ainda mentido sobre os acontecimentos subsequentes, nomeadamente negando a invasão e arrombamento da casa em luto. Entende o SOS que não é possível compactuar com declarações falsas ou que distorçam e encubram os acontecimentos, emitidas por parte da direção da PSP, sempre que aconteçam situações de violência policial racista.
- Infelizmente, o governo não mostrou abertura perante estas exigências nem mostrou vontade política de responder seriamente aos desafios que a questão racial coloca à nossa ordem democrática que, constitucionalmente, recusa todas as formas de discriminação, nomeadamente a racial.
- Nesta sequência, endereçamos ainda as preocupações e críticas que nos merecem as políticas de igualdade do governo na área das migrações e do combate ao racismo que, procurando responder à pressão da extrema-direita racista e xenófoba, retrocede profundamente na proteção de garantias mínimas de proteção dos direitos das pessoas migrantes. Entre muitas outras exigências relacionadas com a política de imigração, exigimos o restabelecimento imediato da declaração de interesse e o regresso a uma abordagem administrativa aos processos em detrimento de uma abordagem securitária, repressiva e policial. Levantamos ainda o problema da paralisia institucional dos instrumentos de combate ao racismo, nomeadamente da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação racial e exigimos ainda a alteração do código penal, nomeadamente nos seus artigos 240 e 250.
- Nas suas últimas declarações, o primeiro-ministro escolhe, mais uma vez, negar a existência do racismo em Portugal, prova de que não existe nenhum compromisso por parte do governo em combater a violência racial. Numa sociedade que recusa enfrentar a existência de um dos maiores problemas e desafios à sua democracia, é natural que o governo não tenha nenhuma resposta política ao problema do racismo e opte pela desonestidade e pela incúria/negligência política de o negar.
- O governo parece mais cioso de abafar a contestação social e a indignação política suscitadas pelo assassinato de um cidadão pela PSP do que em construir soluções e respostas aos problemas estruturais que se escondem por trás da violência policial como aquela que vitimou Odair Moniz e demasiadas pessoas racializadas antes de si.
- Infelizmente, o governo limitou-se neste encontro a apresentar uma linha política muito vaga que continua a não encarar o carácter estrutural do racismo, não tendo sido capaz de apresentar uma única medida específica orientada exclusivamente para o combate ao racismo. Todas as medidas anunciadas são genéricas e circunscritas à área metropolitana de Lisboa, o que não deixa de ser um erro político estratégico.
- O SOS Racismo denuncia a manobra política que presidiu à convocatória desta reunião cujo propósito se confirmou situar-se mais na preocupação em salvaguardar a imagem do governo do que em defender os direitos e a dignidade das pessoas vítimas de violência policial racista. O combate ao racismo exige um compromisso forte das instituições e de quem as governa na elaboração de políticas públicas de combate às desigualdades estruturais, incluindo em particular as que partem de um fator racial. Sem este compromisso, é todo o projeto de sociedade democrática que está em jogo. Era aquilo que desejávamos hoje para o encontro com o governo. Infelizmente, o grande aparato resultou em quase nada. O governo esteve ainda longe deste desiderato. Lamentamos assim, concluir que se tratou de demasiada publicidade para pouca ou nenhuma vontade política.
Pela Direção
29 de outubro de 2024