Linguagem inclusiva – uma das respostas necessárias à violência e à censura

No passado dia 22 de Setembro, numa livraria em Lisboa, foi apresentado o livro infantil “No meu bairro”, escrito por Lúcia Vicente e ilustrado por Tiago M. Trata-se de uma obra que inclui 12 histórias de ficção em rima, em que as protagonistas são as crianças que falam sobre a sua vida, sobre racismo, identidade de género, religião, bullying e ativismo. É também provavelmente o primeiro livro infantil publicado em Portugal a usar a linguagem neutra baseada no Sistema ELU. O lançamento desta obra, merece por estes motivos desde logo o interesse e apoio do SOS Racismo. Infelizmente os factos que se desenrolaram no seu lançamento merecem lamentavelmente o nosso mais enérgico repúdio e tomada de posição.

Relatos da própria escritora, ilustrador e de outras pessoas na assistência, descreveram a presença de uma dezena de pessoas que durante a apresentação do livro desencadearam um protesto que culminou no boicote à apresentação em si, quando um dos protestantes munido de megafone impediu a sua continuidade. Não se tratou de um debate de ideias, tratou-se da invasão do evento com uma postura intimidatória. Os protestantes em nenhum momento se mostraram disponíveis a conversar pacificamente, racionalizar ideias e muito menos a abrir espaço para a empatia pelos outros. Ficou óbvia a sua postura ao filmarem tudo o que ocorreu e tentarem silenciar os autores da iniciativa com o megafone em riste. A resistência a sair do local foi também evidente, já depois da insistência dos organizadores e responsáveis da livraria e assistência, só sendo possível após a intervenção da polícia PSP, que identificou os protestantes. A autora do livro considerou ainda apresentar queixa no Ministério Público.

Antes e após esta iniciativa, somaram-se outros comentários à iniciativa, apresentados nas redes sociais, e que expressavam bem a narrativa de violência e intolerância contra a linguagem inclusiva. Sob o jugo do perigo das ideias, da contaminação do espaço público, da educação e da cultura e pela imposição do pensamento heteronormativo, estes comentários insistem em inspirar o medo e apreensão face ao outro, à diversidade, alimentando antes uma cultura de violência e de silenciamento. Mais uma vez assiste-se a comparar o incomparável, a alegar liberdade de expressão quando o que praticam é a opressão.

A linguagem inclusiva vem sendo uma das ferramentas essenciais do longo processo de combate à discriminação de género, racista, capacitista e de outras formas de discriminação. O SOS Racismo apoia iniciativas como a dos autores do livro “No meu bairro” como caminho para a construção de uma sociedade de iguais para iguais. O SOS Racismo repudia também de forma veemente o protesto ocorrido, a violência que concretizou e que representa. E sublinha, estar com a linguagem inclusiva não é só estar pela liberdade de expressão, mas sim existir/resistir sobre a violência e censura impostas pelos que insistem em alimentar a desigualdade e exclusão da nossa vida colectiva. Tiago M, ilustrador do livro “No meu bairro”, conclui, face ao ocorrido “a necessidade para continuar a abrir caminho para o amor e para a tolerância é óbvia e aqui estaremos para continuar a fazê-lo”.

26 de Setembro de 2023

SOS Racismo

Organização sem fins lucrativos que combate o racismo na sociedade portuguesa. Tem como principais objetivos promover a reflexão, denunciar e intervir com vista a uma sociedade que respeita a igualdade de direitos para tod@s, sem discriminações.