COMUNICADO sobre o resultado das eleições europeias 2024

Um retrocesso democrático e humanitário

  1. O cenário que resultou das últimas eleições europeias representa um retrocesso democrático e humanitário severo e deixa a União Europeia, e vários dos seus países membros, nas mãos da extrema-direita ou vinculados aos seus programas ideológicos.
  2. A representação do bloco da extrema-direita e da direita radical, conservadora e populista aumentou significativamente, o que lhe permite influenciar o discurso e forçar a imposição das suas políticas, ao mesmo tempo que garante mais financiamento para o seu projeto securitário, conservador e autoritário, de restrição de direitos e liberdades – sobretudo das mulheres, minorias e imigrantes. Um projeto assente numa ideologia de supremacia eurocêntrica, que promove e convive com preconceitos raciais e xenófobos, a propagação de ódio, a conflitualidade entre grupos sociais e que tem, como consequência, a destruição da democracia.
  3. Este crescimento da extrema-direita consolida-se também, de forma vertiginosa, dentro dos países europeus. Nestes países, uma falsa tentativa de bloqueio à extrema-direita não resultou – nem em resultados eleitorais, nem na oposição ao seu programa. A extrema-direita já se encontra no poder em Itália, está muito perto de garantir a primeira vitória em eleições legislativas em França e chegou ao segundo lugar nas eleições europeias, à frente dos sociais-democratas, na Alemanha.
  4. Portugal acompanha esta tendência. Nas eleições europeias, a extrema-direita mantêm a sua posição como terceira força política e, ainda que com menor número de votos relativamente às eleições legislativas, consegue eleger dois deputados europeus, tendo a Iniciativa Liberal eleito dois deputados e os partidos à esquerda do PS perdido dois mandatos.
  5. De forma transversal, conservadores ou sociais-democratas têm vindo consecutivamente a assumir propostas da agenda da extrema-direita, como sucedeu com o Pacto das Migrações, nos programas de vigilância militar das fronteiras da União ou dos acordos com países terceiros para criação de centos de detenção de imigrantes fora das fronteiras europeias.
  6. Foi o que aconteceu em Portugal quando, em plena campanha eleitoral para as eleições europeias, o Governo apresentou o “Plano de Ação para as Migrações”, tirando partido da intensificação de uma narrativa que criminaliza a imigração e as pessoas imigrantes e as transforma num problema de segurança e criminalidade. As medidas apresentadas, nomeadamente a revogação do mecanismo de manifestação de interesse, representam um retrocesso significativo dos mais elementares direitos das pessoas imigrantes e, ao contrário do anunciado, irão criar barreiras à sua regularização e, dessa forma, no acesso a diretos fundamentais como o direito à habitação, à saúde e ao trabalho digno.
  7. O mesmo governo, pela voz do Primeiro Ministro, escolhe para o 10 de junho uma narrativa nacionalista e securitária, um “Viva Portugal”, a “portugalidade”, e “o privilégio que é ser português”, num discurso que mistura a “imigração regulada” e a “garra lusitana” numa celebração nostálgica e colonial da “identidade portuguesa”. Um discurso que toma, mais uma vez, o partido de uma direita xenófoba, supremacista e securitária e desprotege a segurança das pessoas entendidas como intrusas dessa identidade e sem direito ao “privilégio [que decorre] de ser português”.
  8. Os próximos tempos serão muito difíceis, sobretudo para quem sofre com estas políticas e medidas concretas que delas saírem – mulheres, minorias e imigrantes.
  9. 9. Com uma guerra na Europa, um genocídio em curso na Palestina e outros vários conflitos mundiais, a realidade aproxima-se fantasmagoricamente das circunstâncias que, nos anos 30 do século XX, edificaram o fascismo e o nazismo.
  10. O SOS Racismo, em conjunto com as demais associações, nacionais e internacionais, de defesa dos direitos humanos, compromete-se com a defesa dos direitos das pessoas mais vulneráveis e no combate à extrema-direita e ao seu projeto de ódio. É pelos valores da Liberdade, da Igualdade, da Solidariedade e da Justiça que nos batemos todos os dias. Por elas e por todas as outras pessoas que escolhem a democracia, resistiremos.

13 de junho de 2024 SOS Racismo

SOS Racismo

Organização sem fins lucrativos que combate o racismo na sociedade portuguesa. Tem como principais objetivos promover a reflexão, denunciar e intervir com vista a uma sociedade que respeita a igualdade de direitos para tod@s, sem discriminações.