Um retrocesso democrático e humanitário
- O cenário que resultou das últimas eleições europeias representa um retrocesso democrático e humanitário severo e deixa a União Europeia, e vários dos seus países membros, nas mãos da extrema-direita ou vinculados aos seus programas ideológicos.
- A representação do bloco da extrema-direita e da direita radical, conservadora e populista aumentou significativamente, o que lhe permite influenciar o discurso e forçar a imposição das suas políticas, ao mesmo tempo que garante mais financiamento para o seu projeto securitário, conservador e autoritário, de restrição de direitos e liberdades – sobretudo das mulheres, minorias e imigrantes. Um projeto assente numa ideologia de supremacia eurocêntrica, que promove e convive com preconceitos raciais e xenófobos, a propagação de ódio, a conflitualidade entre grupos sociais e que tem, como consequência, a destruição da democracia.
- Este crescimento da extrema-direita consolida-se também, de forma vertiginosa, dentro dos países europeus. Nestes países, uma falsa tentativa de bloqueio à extrema-direita não resultou – nem em resultados eleitorais, nem na oposição ao seu programa. A extrema-direita já se encontra no poder em Itália, está muito perto de garantir a primeira vitória em eleições legislativas em França e chegou ao segundo lugar nas eleições europeias, à frente dos sociais-democratas, na Alemanha.
- Portugal acompanha esta tendência. Nas eleições europeias, a extrema-direita mantêm a sua posição como terceira força política e, ainda que com menor número de votos relativamente às eleições legislativas, consegue eleger dois deputados europeus, tendo a Iniciativa Liberal eleito dois deputados e os partidos à esquerda do PS perdido dois mandatos.
- De forma transversal, conservadores ou sociais-democratas têm vindo consecutivamente a assumir propostas da agenda da extrema-direita, como sucedeu com o Pacto das Migrações, nos programas de vigilância militar das fronteiras da União ou dos acordos com países terceiros para criação de centos de detenção de imigrantes fora das fronteiras europeias.
- Foi o que aconteceu em Portugal quando, em plena campanha eleitoral para as eleições europeias, o Governo apresentou o “Plano de Ação para as Migrações”, tirando partido da intensificação de uma narrativa que criminaliza a imigração e as pessoas imigrantes e as transforma num problema de segurança e criminalidade. As medidas apresentadas, nomeadamente a revogação do mecanismo de manifestação de interesse, representam um retrocesso significativo dos mais elementares direitos das pessoas imigrantes e, ao contrário do anunciado, irão criar barreiras à sua regularização e, dessa forma, no acesso a diretos fundamentais como o direito à habitação, à saúde e ao trabalho digno.
- O mesmo governo, pela voz do Primeiro Ministro, escolhe para o 10 de junho uma narrativa nacionalista e securitária, um “Viva Portugal”, a “portugalidade”, e “o privilégio que é ser português”, num discurso que mistura a “imigração regulada” e a “garra lusitana” numa celebração nostálgica e colonial da “identidade portuguesa”. Um discurso que toma, mais uma vez, o partido de uma direita xenófoba, supremacista e securitária e desprotege a segurança das pessoas entendidas como intrusas dessa identidade e sem direito ao “privilégio [que decorre] de ser português”.
- Os próximos tempos serão muito difíceis, sobretudo para quem sofre com estas políticas e medidas concretas que delas saírem – mulheres, minorias e imigrantes.
- 9. Com uma guerra na Europa, um genocídio em curso na Palestina e outros vários conflitos mundiais, a realidade aproxima-se fantasmagoricamente das circunstâncias que, nos anos 30 do século XX, edificaram o fascismo e o nazismo.
- O SOS Racismo, em conjunto com as demais associações, nacionais e internacionais, de defesa dos direitos humanos, compromete-se com a defesa dos direitos das pessoas mais vulneráveis e no combate à extrema-direita e ao seu projeto de ódio. É pelos valores da Liberdade, da Igualdade, da Solidariedade e da Justiça que nos batemos todos os dias. Por elas e por todas as outras pessoas que escolhem a democracia, resistiremos.
13 de junho de 2024 SOS Racismo