Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial – que futuro possível?

COMUNICADO:

  1. As associações e coletivos signatários denunciam a história de ineficácia da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), marcada pela falta de representatividade, independência e transparência.
  2. As recentes nomeações do Governo reforçam essas preocupações, com uma composição que inclui apenas cinco representantes de comunidades racializadas e sujeitas à discriminação, com perfis centrados numa perspetiva assistencialista e equívoca face às relações de opressão e supremacismo que permeiam as práticas dos organismos e associações que lideraram. Esta escolha não reflete uma abordagem estruturada e inclusiva para enfrentar o racismo enquanto problema sistémico e compromete a sua capacidade de resposta.
  3. A CICDR esteve inativa desde julho de 2023, com interrupções nas suas atividades que deixaram um vazio formal e legal no acolhimento, tramitação e reparação de denúncias de discriminação étnico-racial. Não houve sequer confirmação da receção das denúncias apresentadas nesse período, e o retomar das suas funções tem sido marcado por atrasos graves e insuficiências, que continuam a comprometer a sua missão.
  4. Dados recentes revelam que cerca de 74% das pessoas vítimas de discriminação optam por não apresentar queixas, devido à desconfiança nos mecanismos institucionais, medo de retaliação ou desconhecimento. Estas evidências sublinham a falência institucional da CICDR, cuja ineficácia histórica – marcada por taxas elevadas de arquivamento (80%) e prescrição (22%) de queixas e uma baixa proporção de condenações – perpetua a descrença e a impunidade.
  5. As associações e coletivos signatários exigem, no imediato:

I. Revisão da composição dos oito membros designados pelo Governo, garantindo consulta às associações antirracistas e comunidades racializadas.

II. Enfoque no tratamento das comunidades racializadas como agentes ativos e não meros destinatários de assistência.

III. Transparência nos relatórios de atividades e respostas proporcionais às denúncias apresentadas.

IV. Reconhecimento do racismo como um problema estrutural e adoção de uma abordagem consistente nesse sentido.

V. Dotação de recursos adequados para assegurar a eficácia das medidas de combate ao racismo e discriminação racial, seja na sua dissuasão, seja na proteção dos direitos das vítimas e reparação dos danos por estas sofridos.

6. Diante deste cenário, colocamos em causa o futuro da CICDR enquanto resposta efetiva à proteção dos direitos das vítimas de discriminação étnico-racial. Sem uma revisão urgente do enquadramento legal para o combate ao racismo, semgarantias de independência, transparência e representatividade na formulação e aplicação de uma lei ajustada à transversalidade e gravidade dos danos provocados pelo racismo, nomeadamente por parte do Ministério Público e dos agentes legislativos, e sem a capacidade de aplicar medidas justas e proporcionais de justiça e dissuasão, a Comissão e todo o Estado continuarão a perpetuar a inoperância e a negligência que há muito comprometem o combate institucional ao racismo em Portugal.

    27 de novembro de 2024

    As associações e coletivos:

    8M Guimarães

    Academia pela Palestina Braga

    Associação P de Potência

    Associação Saúde das Mães Negras e Racializadas em Portugal

    Associação Renovar a Mouraria

    Braga Fora do Armário

    Chão das Lutas Braga

    Civitas Braga

    Climáximo

    Colectivo de Estudantes pela Palestina UMinho

    Coletivo Feminista de Sintra

    Coletivo Mukambo e Diásporas

    Coletivo Mulheres Negras Escurecidas

    Colectivo pela Libertação da Palestina

    FSR – Feminismos Sobre Rodas

    GARA – Grupo de Ação Revolucionária e Antifascista

    Grupo de Ação Revolucionária Antifascista

    GTO LX – Grupo de Teatro do Oprimido de Lisboa

    Guimarães LGBTQIA+

    Guimarães pela Liberdade

    Guimarães Pela Palestina

    Headbangers Antifascistas

    HeforShe UMinho

    Kilombo – Plataforma de intervenção Anti-RacistaNúcleo Antifascista de Barcelos

    Núcleo Antifascista de Guimarães

    Movimento Virgínia Moura

    Movimento SOS Racismo

    MUXIMA Bio BV

    O Lado Negro da Força

    OVO PT – Observatório de Violência Obstétrica em Portugal~

    Plataforma Artigo 65

    Rede 8 de Março Braga

    Rede 8 de Março

    Saber Compreender

    UMAR Braga

    Comunicado – Odair Moniz, mais um na longa lista de mortos às mãos da PSP.

    Na madrugada de 21, Odair Moniz de 43 anos foi alvejado por um agente da PSP e acabou por sucumbir às suas feridas. 

    Odair Moniz junta-se à longa lista de pessoas negras mortas às mãos da polícia de segurança pública. A sua morte acontece num contexto político de exacerbação do discurso de ódio e de um securitarismo estigmatizante dirigido às comunidades negras.

    A leitura do comunicado da PSP suscita mais dúvidas do que traz esclarecimentos sobre as condições da morte de Odair Moniz. Como é que alguém que se despistou num carro em fuga pode sair em condições de querer agredir agentes armados? Tendo sido a tentativa de agressão com arma branca segundo a PSP, supõe-se isso então ter existido uma efetiva proximidade com o agente atirador? Se sim, porque não alvejou a vítima na parte inferior do corpo para imobilizá-lo, em vez de atirar para a axila, uma zona mais propensa a resultar em morte?

    Em todos os casos de brutalidade policial que resultou nas mortes de cidadãos negros, racializados, a PSP nunca foi convincente sobre as condições e motivos destas mortes. Portanto, num país cuja polícia está inegavelmente infiltrada pela extrema-direita racista, as mortes de pessoas negras às mãos de agentes policiais levantam as maiores dúvidas e preocupações sobre as reais motivações das intervenções policiais que acabam nestas mortes.

    Para que a morte de Odair Moniz não se resume a mais um caso, mais um número da macabra estatística mortífera da intervenção policial nos territórios e nos corpos habitados por pessoas negras, há que se abrir um inquérito para apurar com a maior das celeridades todas as responsabilidades dos agentes envolvidos neste assassinato, incluindo as da própria cadeia de comando. Enquanto decorrem as investigações para o apuramento das responsabilidades dos envolvidos, exige-se a sua suspensão imediata de funções.

    O SOS Racismo lamenta mais uma morte que se junta à longa lista de mortos às mãos da PSP, denunciando o laxismo e a impunidade que têm caracterizado a intervenção das tutelas e da direção da PSP nestas circunstâncias. O SOS Racismo denuncia um padrão de intervenção policial que opta por uma espécie de exceção jurídica em que a violência e a morte nos territórios e corpos habitados por pessoas negras passam a ser uma regra.

    O SOS Racismo apresenta as condolências e manifesta a sua total solidariedade à família de Odair Moniz e a toda a comunidade enlutada, disponibilizando-se a acompanhá-las em tudo o que necessário para o apuramento da verdade sobre deste assassinato. 

    COMUNICADO – Solidariedade com Mariana CarneiroCOMUNICADO

    Ativista do SOS Racismo Mariana Carneiro é alvo de ataques infames e de uma queixa-crime por parte de Madalena Natividade, presidente da Junta de Freguesia de Arroios.

    1. Desde o início do ano, a ativista do SOS Racismo Mariana Carneiro, com muitas outras pessoas e associações, tem estado a apoiar os migrantes que se encontram em situação de sem-abrigo e que pernoitam nas imediações da Igreja dos Anjos.
    2.  O apoio prestado compreende ajuda na alimentação, no acesso a medicamentos e serviços de saúde e na obtenção de documentos destinados aos respetivos processos de regularização.
    3. Com este apoio, tem sido possível contrariar os inúmeros obstáculos que os migrantes enfrentam diariamente, permitindo que alguns consigam abandonar as tendas e organizar as suas vidas – é exatamente isso que as pessoas pretendem: sair da rua, ter um trabalho, uma vida digna.
    4. Estas associações e ativistas não recebem um cêntimo pelo trabalho que fazem e prestam auxílio na medida do que lhes é possível, sempre com dedicação e empenho.
    5. Assistimos, porém, ao falhanço absoluto das entidades públicas, a quem compete resolver os problemas das pessoas. Os processos administrativos de regularização são lentos, complexos e burocráticos, eternizando a precariedade dos migrantes.
    6. As entidades locais – em especial, a Câmara Municipal de Lisboa e a Junta de Freguesia de Arroios – não têm cumprido a sua função de encontrar respostas para as pessoas que se encontram em situação de sem-abrigo.
    7. São do conhecimento público as tentativas de expulsão dos migrantes que se encontram acampados nos Anjos, sem que lhes sejam dadas quaisquer alternativas.
    8. São também do conhecimento público as várias recusas do executivo da Junta de Freguesia de Arroios em emitir atestados de residência a migrantes.
    9. Nos últimos dias, o Presidente da Câmara de Lisboa e a Presidente da Junta de Freguesia da Arroios, sem assumirem quaisquer responsabilidades pelas suas falhas, entenderam atacar todas as pessoas que têm vindo a prestar apoio aos referidos migrantes.
    10. Em particular, a Presidente da Junta de Freguesia de Arroios entendeu perseguir especialmente a ativista Mariana Carneiro, imputando-lhe falsidades e violentando a sua honra e consideração, anunciando, através de jornais e dos próprios meios de comunicação da Junta de Freguesia, ter apresentado uma participação criminal contra a referida ativista.
    11. As acusações proferidas pelo Presidente da Câmara de Lisboa e pela Presidente da Junta de Freguesia da Arroios são inaceitáveis, totalmente irresponsáveis e desprovidas de fundamento.
    12. São, claramente, atitudes persecutórias com o propósito de desviar atenções do falhanço das respetivas intervenções enquanto autarcas, e destinadas a intimidar quem procura defender migrantes da violência a que estão a ser expostos, à semelhança do que já tem sido feito contra outros ativistas, como aconteceu com Mamadou Ba.
    13. Esta é uma campanha violenta contra o ativismo antirracista e contra todas e todos que defendem os direitos das pessoas migrantes.

    O SOS Racismo, manifesta a sua total solidariedade com a ativista Mariana Carneiro e tudo fará para que sejam salvaguardados os direitos de quem, de forma incansável, tem pugnado pela dignidade dos que fogem de situações limite e procuram refúgio em Portugal.

    Lisboa, 2 de outubro de 2024

    SOS Racismo

    “50 anos do 25 de Abril – 25 anos da Festa da Diversidade: Combater o fascismo e o racismo, ocupar o espaço público – FESTA DA DIVERSIDADE 2024

    A 15ª Edição da Festa da Diversidade acontece já neste sábado, 6 de Julho, no Terreiro do Paço em Lisboa. Num ano em que se celebram 50 anos do 25 de Abril e 25 anos desde a primeira edição da Festa da Diversidade e da Marcha de Orgulho LGBTQIA+ de Lisboa (MOL), o SOS Racismo, a MOL ocupam as ruas de Lisboa com festa e luta.

    A festa da diversidade assume-se como um espaço para o combate ao fascismo e ao racismo e de ocupação do espaço público. Traduz a vontade de contribuir para um projeto de sociedade em que todas as pessoas gozem, subjetiva e objetivamente, do direito à igualdade e do direito à diferença.

    Num momento em que no espaço público, como no mediático, se têm naturalizado e legitimado a propagação de valores e preconceitos assentes na supremacia xenófoba, racista e heterossexista e, mais grave, manifestações de ódio e violência dirigidas a pessoas imigrantes e racializadas, urge reclamar e ocupar os espaços da cidade. A Festa da Diversidade vem reivindicar este espaço e, ao mesmo tempo, esbater as fronteiras simbólicas e físicas impostas pela estigmatização, guetização, exclusão e invisibilização a que as pessoas racializadas, LGBTQIA+ e minorias estão habitualmente sujeitas. O objetivo é devolver-lhes o direito a estar na cidade e/ou ser da cidade. Reivindicar os seus direitos à visibilidade, à expressão cultural e à identidade. A viver e usufruir da cidade em efetiva liberdade. Com dignidade e sem nenhum constrangimento nem ameaça para a sua segurança física e moral. Sem violência, sem brutalidade.

    Tal como tem sido desde o seu início, a Festa da Diversidade conta com a adesão e apoio de profissionais, artistas e várias pessoas voluntárias que, de forma ativa e empenhada, participam sempre de forma completamente gratuita. O SOS Racismo quer aproveitar este momento para agradecer o apoio de todas as pessoas, que desde a primeira hora e ao longo dos anos, tornaram este acontecimento, que é simultaneamente uma festa e uma ação de luta política, possível.

    Agradece também às empresas de publicidade e design, sobretudo à DDLX, mas também à FCB, Saatchi & Saatchi, Edson FCB, Laranja Mecânica, Ogilvy, Havas e, nestes últimos anos, à BOOST, ao José Sena Lopes e ainda ao José Torres, que foi fundamental para o reconhecimento da Festa.

    Agradecemos ainda ao departamento dos Direitos Sociais da CML, à Junta de Freguesia, e à EGEAC (anos anteriores) que, ao longo destes anos, muito contribuíram para a realização da Festa da Diversidade.

    Agradecemos finalmente o trabalho inestimável e insubstituível das associações.

    Sábado, dia 6 de Julho, das 16:00 à 1:30, no Terreiro do Paço, vamos lutar e celebrar: em inclusão e na diversidade!

    Junta-te à 15ª FESTA DA DIVERSIDADE e vem conhecer os “Saberes, Sabores e Sons do Mundo” através das exposições, espetáculos e do mercado promovidos pelos vários coletivos e associações parceiras.

    Atuam:

    ● 17:00 Associação Cultural Jay Ambe

    ● 18:00 WUBUNTU I AM

    ● 18:45 Batucadeiras Panafricanistas

    ● 19:15 Intervenções Marcha LGBT

    ● 20:00 SLR + Taciturna

    ● 20:30 SANTA BARBA

    ● 21:30 DJ Gosto de Ti

    ● 22:00 FVBRICIA

    ● 22:30 Pedro Branco e Luiz Caracol

    ● 23:30 Tropicaustica, Michele Mara e Fella Ayala

    Participam as associações:

    ● AAUTS – Ass Artis Urbanos de Transf Social

    ● A Coletiva e Precários Inflexíveis

    ● Africande

    ● Associação Cultural Jay Ambe

    ● Associação Nasce e Renasce

    ● Associação Ouvir e Contar – Literaturas Afrikanas

    ● Bazofo Dentu Zona

    ● Casa do Brasil

    ● Coletivo Andorinha e Diáspora sem Fronteiras

    ● Colombina Clandestina

    ● Culturface

    ● José Afonso – AJA Lisboa

    ● Ass. Cavaleiros de S. Brás

    ● Kitembu

    ● Livraria das Insurgentes / Manas

    ● Mambú

    ● Marcha do Orgulho LGBTQI+ de Lisboa (co-organização)

    ● Mercado da Diversidade África de Mãos Dadas

    ● ASS. PASSA SABI

    ● SOS Racismo (co-organização)

    ● Vikings

    4 de julho de 2024 – SOS Racismo

    COMUNICADO Grupos racistas e xenófobos organizam ataques a imigrantes no Porto

    Nos últimos dias, um grupo organizado de pessoas constituiu uma milícia para invadir casas e atacar imigrantes na cidade do Porto. Com recurso a bastões, paus e facas, este grupo espancou várias pessoas imigrantes, dentro das suas casas. Os ataques foram planeados e devidamente organizados, para espalhar o terror e atacar o maior número de imigrantes possível. As habitações foram destruídas e várias pessoas tiveram de receber tratamento hospitalar.

    Perante isto,

    1. O SOS Racismo está solidário com todas as vítimas de racismo e xenofobia. Estamos ao lado das pessoas imigrantes e racializadas, sempre e a qualquer hora. E tudo faremos para as proteger e para que os autores dos atos criminosos, racistas e xenófobos sejam levados a Tribunal e julgados pelos crimes cometidos.
    2. O SOS Racismo condena esta onda de violência racista extrema, que se tem vindo a intensificar nos últimos tempos. Para além destes factos recentes na cidade do Porto, relembramos, entre muitos outros: o assassinato de Gurpreet Singh, indiano, morto a tiro em sua casa, em Setúbal, por uma milícia racista; o grupo de jovens em Olhão que agrediu imigrantes indianos e nepaleses; os guardas da GNR que foram condenados pelo Tribunal de Beja por ofensas à integridade física qualificada e sequestro agravado de imigrantes em Odemira; as numerosas vitimas de exploração em propriedade agrícolas no Alentejo; os incêndios em Lisboa que provocaram dois mortos de nacionalidade indiana; as agressões a imigrantes do Brasil em Vila Nova de Gaia e no Porto; ou a morte de Ademir Araújo Moreno, cabo-verdiano, na sequência de um ataque racista e xenófobo, na ilha do Faial.
    3. São muitos, são demasiados os casos de violência racista e xenófoba – e não acontecem no vazio. Estes grupos atuam de forma concertada, porque se sentem legitimados.
    4. Legitimados pelo discurso de ódio da extrema-direita e por narrativas e discursos populistas e racistas de altos responsáveis políticos, que têm vindo a fazer associações falsas entre a criminalidade e a imigração, fornecendo o combustível necessário para alimentar a violência contra imigrantes e legitimar milícias racistas e xenófobas.
    5. A passividade do Estado no combate ao racismo e à xenofobia verifica-se nos crónicos problemas da Justiça neste capítulo, aos quais acresce a inoperância da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, que está sem funcionar desde outubro de 2023, sendo certo que, até essa data, foram poucas as reuniões dos seus órgãos e muito poucas as condenações, perante o elevado número que queixas que todos os dias são apresentadas.
    6. O que se passou nos últimos dias no Porto foi uma caça a homens, mulheres e crianças. Assistimos a práticas milicianas motivadas pelo ódio racial e xenófobo, típicas de grupos assassinos de extrema-direita. Não podemos voltar aqui – nunca mais!
    7. Exigimos, assim:

    – a todos os responsáveis políticos que condenem estes atos e que condenem todos os discursos de ódio que os sustentam;

    – ao Ministério da Administração Interna, que atue de imediato, fornecendo proteção policial necessária para proteger as pessoas;

    – ao Ministério Público, que atue rapidamente para deter e levar a julgamento este grupo de criminosos que cobardemente atuam encapuçados;

    – ao Presidente da Republica, à Assembleia da República e ao Governos, que condenem inequivocamente toda esta violência e que tomem as medidas necessárias para que as Instituições democráticas funcionem, e, em especial, para que a Comissão Para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial funcione.

    8. Mas exigimos, sobretudo, que todas as pessoas parem para pensar sobre o momento em que nos encontramos. Sobre os efeitos de discursos de ódio. Sobre o que sobra da atuação da extrema-direita e de quem, com ela, partilha visões violentas da sociedade. Sobre quem se aproveita da frágil posição de imigrantes e fere a sua dignidade, para cavalgar eleitoralmente sobre o medo e sobre a ignorância. Escolhem a violência ou a solidariedade?

    Apelamos a todas as pessoas que não se conformam e não aceitam a violência racista e xenófoba para estarem ao lado das vítimas dessa violência.

    Por isso, hoje, às 22h00, os ativistas anti-racistas, juntamente com diversos movimentos sociais e cidadãos do Porto, unem-se na Praça 24 de Agosto em um gesto de solidariedade para com os imigrantes, especialmente aqueles que foram alvo de recentes ataques violentos.

    É ao lado das pessoas imigrantes e racializadas que estaremos. Não desistimos. E não esquecemos, nem perdoamos a quem cometeu estes crimes e a quem os legitima politicamente todos os dias.

    4 de maio de 2024 SOS Racismo

    Descarbonizar, desracializar, descolonizar e democratizar, a urgência de atualizar e cumprir Abril

    O advento do 25 de Abril inaugurava uma era de tripla rutura com o colonialismo, o fascismo e a pobreza endémica, enquanto anunciava um horizonte de esperança pela emancipação socioeconómica da maioria do povo, com a melhoria das suas condições de vida, vulgarmente chamada desenvolvimento económico. Os famosos “3D’s” (descolonizar, democratizar e desenvolver) carregavam assim a promessa de um futuro melhor. Mas nem todos os sonhos de Abril floresceram como os cravos que carregavam essa imensa vontade de um futuro risonho. Mesmo aqueles que iniciaram uma indução de nobres e bonitas vontades e desejos políticos em rutura com os horrores do fascismo e do colonialismo não conseguiram gerar as pétalas de uma democracia plenamente inclusiva. 

    Infelizmente, nenhum ‘D’ do tríptico desejo se cumpriu integralmente. Na verdade, o processo democrático foi-se alavancando num modelo económico de acumulação primitiva, onde se agudizou a transferência de rendimentos do trabalho para o capital e em que a pessoa não está no centro da política, porque a acumulação de riqueza é preterida em relação à dignidade humana. Assim, face a uma democracia inacabada e capturada pela lógica de uma política económica fundamentalmente acumulacionista que encontra a sua raiz na matriz colonial da economia portuguesa, não foi possível nem democratizar, nem desenvolver e, muito menos, descolonizar. 

    O país, formatado por um imaginário de uma quimérica grandeza imperial, ficou refém de um modelo económico herdado da empresa colonial racista, em que o extrativismo voraz é o elemento essencial do modo de produção de riquezas. Tal situação instala a sociedade e a economia numa colonialidade sistémica, âncora do racialismo e da hétero-normatividade patriarcal que alimenta o ressurgimento e fortalecimento dos populismos neofascistas.

    50 anos depois, perto de 50 fascistas assumidos e muitas dezenas de outros arautos de um conservadorismo nacionalista bacoco foram eleitos deputados na Assembleia da República. 50 anos depois, em vez de cumprir Abril, a disputa democrática volta a reinscrever o fascismo como alternativa política.

    50 anos depois, urge não só revisitar as promessas, mas sobretudo, reatualizá-las para cumprir os sonhos de Abril. Perante a ameaça fascista e racista, bem como a crise ambiental resultante do modelo extrativista de produção capitalista, que aumenta a vulnerabilidade social e económica das pessoas mais carenciadas e daquelas que são mais expostas a todas as formas de discriminação, impõe-se uma refundação que atualize a formulação de alternativas políticas para promover a justiça racial, social e climática. 

    Descarbonizar o modelo económico é a mais premente atualização das promessas de Abril para enfrentar a catástrofe ambiental em curso, salvar o planeta e a humanidade e garantir a sustentabilidade de um projeto de sociedade viável. Descarbonizar é romper com desenvolvimentismo, uma ideologia de saque e sobre-exploração. Descarbonizar é romper com a cristalização cultural da ideologia da posse como única forma de governo do mundo e dos seus recursos. A obsessão pela posse tem como sucedâneo a vontade de extração máxima de proveito, o que conduz inevitavelmente à sobre-exploração dos recursos naturais e das pessoas mais pobres, originando uma crise de sustentabilidade. Assim, a crise climática agudiza as desigualdades, provoca deslocações forçadas de milhões de pessoas e aumenta as vulnerabilidades dos mais frágeis da sociedade, mormente das pessoas racializadas. As dramáticas consequências da catástrofe ambiental, como bem comprovou a pandemia de Covid-19, fustigam mais pessoas pobres e racializadas. É urgente descarbonizar, porque sem justiça climática não há justiça racial e vice-versa.

    Desracializar os imaginários e as práticas políticas é superar o racialismo como modelo de relacionamento entre povos e culturas, destruir o supremacismo e zelar para que a diferença étnica e cultural não se ossifique na ideologia do ódio, principal potenciador de violências. Desracializar é, no fundo, fazer da diferença uma riqueza e não uma tara. Desracializar é, portanto, sair da obsessão neurótica das pertenças exclusivas, seletivas, excludentes e hierarquizantes.

    É urgente desracializar, porque urge essencialmente colocar a pessoa à frente da raça, ou seja, colocar a humanidade acima da racialidade. 

    Descolonizar impõe romper com a subliminar vontade de passado que faz do elogio à gesta imperial e do silêncio sobre as vilanias da história colonial – nomeadamente a Escravatura – e os acontecimentos que estiveram na origem do 25 de Abril, um modus operandi hegemónico. Portanto, descolonizar impõe uma rutura efetiva com as retóricas e práticas de legitimação das consequências do colonialismo donde emanam as bases do racismo estrutural que ainda permeia as relações na nossa sociedade. Descolonizar passa por descolonizar uma conceção propriamente limitada da ideia vigente de descolonização, interrogando os consensos e os privilégios herdados da ordem colonial capitalista, mas também desafiando a hegemonia da produção de saberes e conhecimentos que recicla e mantém narrativas e práticas racistas.

    Democratizar é muito mais do que assegurar uma coreografia institucional e o governo dos mecanismos da disputa política. Democratizar é recusar a normalização do fascismo, é combater a ideia de que há suficiente maturidade democrática para acomodar a pretensão do fascismo em se tornar uma alternativa. Democratizar é não aceitar a equiparação de uma ideologia da morte e do ódio com projetos políticos de emancipação e de liberdade. Cumprir Abril é ainda continuar a desocultar todas as opressões e formas de discriminação (raciais, machistas, homófobas e sexistas). Cumprir Abril é romper com a democracia de baixa intensidade que perpetua os privilégios de classe, de raça e de género. É instituir um antirracismo que só pode ser interseccional e totalmente mobilizado na luta contra a lgbtqfobia, o machismo e o racismo. 

    50 anos depois de um desabrochar de esperanças por futuros melhores, a tarefa de cumprir Abril por uma sociedade livre, plural e inclusiva passa por descarbonizar a economia, descolonizar imaginários e narrativas, desracializar teorias e práticas e democratizar a disputa e partilha de poderes reais e simbólicos.

    Mamadou Ba, 22-04-2024

    Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na sequência do recurso apresentado por Mamadou Ba, da decisão judicial que o havia condenado pelo crime de difamação

    Comunicado de Imprensa

    1. O Tribunal da Relação de Lisboa considerou parcialmente procedente o recurso interposto pelo ativista Mamadou Ba da sentença judicial proferida pelo Juízo Local Criminal de Lisboa, que o havia condenado pela prática do crime de difamação do neo-nazi Mário Machado
    2. De acordo com o referido Acórdão, o Tribunal de 1a instância não efetuou uma apreciação explicita dos argumentos expostos pela defesa, nem enquadrou ou contextualizou sequer as afirmações de Mamadou Ba, nomeadamente em função dos trágicos acontecimentos ocorridos no dia da morte de Alcindo Monteiro, da participação de Mário Machado e do seu passado violento, ou da intervenção cívica do próprio Mamadou Ba, enquanto ativista anti-racista e defensor dos direitos humanos.
    3. Por esses motivos, a sentença recorrida foi anulada, por falta de fundamentação, tendo sido determinada a realização de novo julgamento, cingido à ponderação dos factos à luz da documentação e prova produzida nos autos, que permitam a devida contextualização da publicação de Mamadou Ba.
    4. O processo judicial não termina aqui, mas o SOS Racismo congratula-se com esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa e com a possibilidade que é agora dada a Mamadou Ba de se poder defender na íntegra, de ver os seus motivos devidamente analisados e ponderados em Tribunal e, no final, de poder vir a ser absolvido da acusação infame que lhe foi dirigida.
    5. O SOS Racismo está solidário com Mamadou Ba e com todas as pessoas que lutam pela democracia, contra o racismo e contra a xenofobia.

    12 de abril de 2024