“50 anos do 25 de Abril – 25 anos da Festa da Diversidade: Combater o fascismo e o racismo, ocupar o espaço público – FESTA DA DIVERSIDADE 2024

A 15ª Edição da Festa da Diversidade acontece já neste sábado, 6 de Julho, no Terreiro do Paço em Lisboa. Num ano em que se celebram 50 anos do 25 de Abril e 25 anos desde a primeira edição da Festa da Diversidade e da Marcha de Orgulho LGBTQIA+ de Lisboa (MOL), o SOS Racismo, a MOL ocupam as ruas de Lisboa com festa e luta.

A festa da diversidade assume-se como um espaço para o combate ao fascismo e ao racismo e de ocupação do espaço público. Traduz a vontade de contribuir para um projeto de sociedade em que todas as pessoas gozem, subjetiva e objetivamente, do direito à igualdade e do direito à diferença.

Num momento em que no espaço público, como no mediático, se têm naturalizado e legitimado a propagação de valores e preconceitos assentes na supremacia xenófoba, racista e heterossexista e, mais grave, manifestações de ódio e violência dirigidas a pessoas imigrantes e racializadas, urge reclamar e ocupar os espaços da cidade. A Festa da Diversidade vem reivindicar este espaço e, ao mesmo tempo, esbater as fronteiras simbólicas e físicas impostas pela estigmatização, guetização, exclusão e invisibilização a que as pessoas racializadas, LGBTQIA+ e minorias estão habitualmente sujeitas. O objetivo é devolver-lhes o direito a estar na cidade e/ou ser da cidade. Reivindicar os seus direitos à visibilidade, à expressão cultural e à identidade. A viver e usufruir da cidade em efetiva liberdade. Com dignidade e sem nenhum constrangimento nem ameaça para a sua segurança física e moral. Sem violência, sem brutalidade.

Tal como tem sido desde o seu início, a Festa da Diversidade conta com a adesão e apoio de profissionais, artistas e várias pessoas voluntárias que, de forma ativa e empenhada, participam sempre de forma completamente gratuita. O SOS Racismo quer aproveitar este momento para agradecer o apoio de todas as pessoas, que desde a primeira hora e ao longo dos anos, tornaram este acontecimento, que é simultaneamente uma festa e uma ação de luta política, possível.

Agradece também às empresas de publicidade e design, sobretudo à DDLX, mas também à FCB, Saatchi & Saatchi, Edson FCB, Laranja Mecânica, Ogilvy, Havas e, nestes últimos anos, à BOOST, ao José Sena Lopes e ainda ao José Torres, que foi fundamental para o reconhecimento da Festa.

Agradecemos ainda ao departamento dos Direitos Sociais da CML, à Junta de Freguesia, e à EGEAC (anos anteriores) que, ao longo destes anos, muito contribuíram para a realização da Festa da Diversidade.

Agradecemos finalmente o trabalho inestimável e insubstituível das associações.

Sábado, dia 6 de Julho, das 16:00 à 1:30, no Terreiro do Paço, vamos lutar e celebrar: em inclusão e na diversidade!

Junta-te à 15ª FESTA DA DIVERSIDADE e vem conhecer os “Saberes, Sabores e Sons do Mundo” através das exposições, espetáculos e do mercado promovidos pelos vários coletivos e associações parceiras.

Atuam:

● 17:00 Associação Cultural Jay Ambe

● 18:00 WUBUNTU I AM

● 18:45 Batucadeiras Panafricanistas

● 19:15 Intervenções Marcha LGBT

● 20:00 SLR + Taciturna

● 20:30 SANTA BARBA

● 21:30 DJ Gosto de Ti

● 22:00 FVBRICIA

● 22:30 Pedro Branco e Luiz Caracol

● 23:30 Tropicaustica, Michele Mara e Fella Ayala

Participam as associações:

● AAUTS – Ass Artis Urbanos de Transf Social

● A Coletiva e Precários Inflexíveis

● Africande

● Associação Cultural Jay Ambe

● Associação Nasce e Renasce

● Associação Ouvir e Contar – Literaturas Afrikanas

● Bazofo Dentu Zona

● Casa do Brasil

● Coletivo Andorinha e Diáspora sem Fronteiras

● Colombina Clandestina

● Culturface

● José Afonso – AJA Lisboa

● Ass. Cavaleiros de S. Brás

● Kitembu

● Livraria das Insurgentes / Manas

● Mambú

● Marcha do Orgulho LGBTQI+ de Lisboa (co-organização)

● Mercado da Diversidade África de Mãos Dadas

● ASS. PASSA SABI

● SOS Racismo (co-organização)

● Vikings

4 de julho de 2024 – SOS Racismo

COMUNICADO – Condenação de Cláudia Simões prova que a justiça portuguesa tem cor

Em janeiro de 2020, numa paragem de autocarro no concelho de Amadora, Cláudia Simões foi selvaticamente agredida em frente à sua filha menor pelo agente da PSP, Carlos Canha. As agressões continuaram dentro de um carro-patrulha com insultos racistas contando com a cumplicidade dos agentes João Gouveia e Fernando Rodrigues.

Os agentes agressores beneficiaram do apoio corporativista dos sindicatos da polícia e do beneplácito da sua própria hierarquia. O então diretor da PSP, Magina da Silva, mesmo perante imagens que revelavam o agente Carlos Canha sentado em cima do corpo da vítima e ferimentos evidentes na face de Cláudia Simões, vem a público desmentir o uso desproporcional de violência e declarar não ter visto “nada de anormal” na sua detenção. Este apoio de que Carlos Canha e os seus colegas beneficiaram prova que a força do racismo estrutural está nas instituições.

Após quatro longos anos de espera na angústia, ansiedade e dor, a justiça portuguesa resolveu sancionar a vítima e poupar os carrascos. Neste julgamento, o sistema tomou um lado e duplicou a força da violência e racismo institucional a que Cláudia Simões foi sujeita, naturalizou e legitimou as práticas de violência racistas das forças policiais e, assim, voltou a desproteger e, pior ainda, a sancionar mais uma das suas vítimas. Se o direito restituísse sempre justiça, serviria para reparar os danos provocados à vítima e aplicar as devidas e proporcionais consequências ao agente agressor e aos seus cúmplices, que teriam sido os pesadamente condenados por terem gratuita e barbaramente agredido a cidadã Cláudia Simões. Se as instituições da República fossem sensíveis à ideia de igualdade plena e de justiça racial, Cláudia Simões teria sido cuidada e amparada pelo Estado em vez de ver todas as dolorosas sessões do seu julgamento serem transformadas num tribunal dos horrores, onde ela foi sistematicamente achincalhada, humilhada e discriminada e psicologicamente violento.

Pelo contrário, Cláudia Simões é mulher, negra e de condição social modesta e o racismo e a impunidade parecem continuar a grassar dentro das forças de segurança, nomeadamente na PSP, sobautorização dos tribunais. Em sala de audiência, o racismo esteve sempre presente na violência psicológica, humilhação, difamação e inomináveis pressões que a procuradora da república, os juízes e advogados dos agentes agressores exerceram sobre Cláudia Simões e as suas testemunhas. De facto, juízes, procuradora da república e advogados dos agentes da PSP orquestraram e colaboram num exercício de absoluta desumanização de Cláudia Simões.

Todo o julgamento foi um exercício de tortura psicológica e moral contra Cláudia Simões. Um inaceitável e revoltante festival de indignidades vexatórias, com chacotas sobre a queda de cabelos da vítima, repetidas exigências de retirada da peruca em plena sala, correções ofensivas à forma desta se sentar e insinuações difamatórias sobre a mitomania e oportunismo da vítima.

Ao longo do julgamento, os juízes, o ministério público e os advogados dos agentes reafirmaram insistentemente que não estavam a julgar um crime de racismo. Porém, não deixaram de julgar o antirracismo. Na leitura da sentença, voltou a juíza a atacar o movimento antirracista e as e os intelectuais que tiveram a coragem de denunciar a violência racista das agressões à Cláudia Simões e de apoiá-la.

Face ao cenário a que se assistiu desde o início do caso, a expectativa de que perante um agente policial racista se viesse a fazer justiça por uma pessoa negra, mormente uma mulher negra, era quase nula. Porém, o que não se esperava era que o próprio tribunal se transformasse numa amplificação tão persistente da violência racial como se viu acontecer até ao fim do julgamento.

A condenação de Cláudia Simões é a prova de que a justiça em Portugal tem cor e que o racismo goza de proteção institucional. Este veredito normaliza a violência policial racista.

O SOS Racismo lamenta que, mais uma vez, a justiça tenha escolhido premiar a impunidade e legitimar a violência policial racista.

O SOS Racismo manifesta a sua total solidariedade com Cláudia Simões e mostra-se totalmente disponível para estar ao seu lado para prosseguir a luta no sentido de reverter esta inaceitável sentença.

O SOS Racismo condena a tentativa de silenciamento do movimento antirracista e de intimidação a ativistas e académicos que se mobilizam na luta contra o racismo e inerente violência.

O SOS Racismo mantém-se empenhado em denunciar e combater a cada vez mais preocupante porosidade entre expressões do racismo e práticas de justiça.

1 de julho de 2024

SOS Racismo

COMUNICADO sobre o resultado das eleições europeias 2024

Um retrocesso democrático e humanitário

  1. O cenário que resultou das últimas eleições europeias representa um retrocesso democrático e humanitário severo e deixa a União Europeia, e vários dos seus países membros, nas mãos da extrema-direita ou vinculados aos seus programas ideológicos.
  2. A representação do bloco da extrema-direita e da direita radical, conservadora e populista aumentou significativamente, o que lhe permite influenciar o discurso e forçar a imposição das suas políticas, ao mesmo tempo que garante mais financiamento para o seu projeto securitário, conservador e autoritário, de restrição de direitos e liberdades – sobretudo das mulheres, minorias e imigrantes. Um projeto assente numa ideologia de supremacia eurocêntrica, que promove e convive com preconceitos raciais e xenófobos, a propagação de ódio, a conflitualidade entre grupos sociais e que tem, como consequência, a destruição da democracia.
  3. Este crescimento da extrema-direita consolida-se também, de forma vertiginosa, dentro dos países europeus. Nestes países, uma falsa tentativa de bloqueio à extrema-direita não resultou – nem em resultados eleitorais, nem na oposição ao seu programa. A extrema-direita já se encontra no poder em Itália, está muito perto de garantir a primeira vitória em eleições legislativas em França e chegou ao segundo lugar nas eleições europeias, à frente dos sociais-democratas, na Alemanha.
  4. Portugal acompanha esta tendência. Nas eleições europeias, a extrema-direita mantêm a sua posição como terceira força política e, ainda que com menor número de votos relativamente às eleições legislativas, consegue eleger dois deputados europeus, tendo a Iniciativa Liberal eleito dois deputados e os partidos à esquerda do PS perdido dois mandatos.
  5. De forma transversal, conservadores ou sociais-democratas têm vindo consecutivamente a assumir propostas da agenda da extrema-direita, como sucedeu com o Pacto das Migrações, nos programas de vigilância militar das fronteiras da União ou dos acordos com países terceiros para criação de centos de detenção de imigrantes fora das fronteiras europeias.
  6. Foi o que aconteceu em Portugal quando, em plena campanha eleitoral para as eleições europeias, o Governo apresentou o “Plano de Ação para as Migrações”, tirando partido da intensificação de uma narrativa que criminaliza a imigração e as pessoas imigrantes e as transforma num problema de segurança e criminalidade. As medidas apresentadas, nomeadamente a revogação do mecanismo de manifestação de interesse, representam um retrocesso significativo dos mais elementares direitos das pessoas imigrantes e, ao contrário do anunciado, irão criar barreiras à sua regularização e, dessa forma, no acesso a diretos fundamentais como o direito à habitação, à saúde e ao trabalho digno.
  7. O mesmo governo, pela voz do Primeiro Ministro, escolhe para o 10 de junho uma narrativa nacionalista e securitária, um “Viva Portugal”, a “portugalidade”, e “o privilégio que é ser português”, num discurso que mistura a “imigração regulada” e a “garra lusitana” numa celebração nostálgica e colonial da “identidade portuguesa”. Um discurso que toma, mais uma vez, o partido de uma direita xenófoba, supremacista e securitária e desprotege a segurança das pessoas entendidas como intrusas dessa identidade e sem direito ao “privilégio [que decorre] de ser português”.
  8. Os próximos tempos serão muito difíceis, sobretudo para quem sofre com estas políticas e medidas concretas que delas saírem – mulheres, minorias e imigrantes.
  9. 9. Com uma guerra na Europa, um genocídio em curso na Palestina e outros vários conflitos mundiais, a realidade aproxima-se fantasmagoricamente das circunstâncias que, nos anos 30 do século XX, edificaram o fascismo e o nazismo.
  10. O SOS Racismo, em conjunto com as demais associações, nacionais e internacionais, de defesa dos direitos humanos, compromete-se com a defesa dos direitos das pessoas mais vulneráveis e no combate à extrema-direita e ao seu projeto de ódio. É pelos valores da Liberdade, da Igualdade, da Solidariedade e da Justiça que nos batemos todos os dias. Por elas e por todas as outras pessoas que escolhem a democracia, resistiremos.

13 de junho de 2024 SOS Racismo

Comunicado a propósito do Plano de Ação para as Migrações

Plano de Ação para as Migrações apresentado pelo Governo constitui um retrocesso humanista e um ataque aos direitos humanos das pessoas migrantesPlano de Ação para as Migrações apresentado pelo Governo constitui um retrocesso

1.Em plena campanha eleitoral para as eleições europeias, o Governo apresentou um “Plano de Ação para as Migrações” e, em tempo recorde, aprovou, viu ser promulgado pelo Presidente da República e publicado em Diário da República, um diploma que procede à revogação dos procedimentos de autorização de residência assentes em manifestações de interesse.

2.A rapidez e a escolha cirúrgica das medidas propostas pelo Governo, sugere uma intenção clara: consagrar a sua visão utilitarista e securitária relativamente aos fluxos migratórios, ao mesmo tempo que aproveita as enormes dificuldades em que vivem as pessoas migrantes e a legitimação de discursos xenófobos, para fazer campanha eleitoral e ocupar o espaço da extrema-direita.

3.As medidas em causa assentam em vários logros: o de que existe um “crescimento exponencial” de imigrantes em Portugal e que as restrições aos movimentos migratórios são agora introduzidas por razões “humanitárias”.

4.Portugal não está a ser invadido por imigrantes; verificou-se, sim, um aumento de entrada de imigrantes em território nacional, em função, sobretudo, do aumento da oferta de trabalho em setores como o turismo, a restauração ou a agricultura – mas só com manifesta má fé é que se pode apelidar esta alteração como de “crescimento exponencial”, expressão que foi utlizada pelo Governo no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 37-A/2024, hoje publicado e que procedeu à revogação dos procedimentos de autorização de residência assentes em manifestações de interesse.

5.O que temos assistido nos últimos anos é a uma total incapacidade e falta de interesse do Estado em incluir as pessoas imigrantes e proporcionar-lhes serviços efetivos, para que estas possam regularizar a sua situação e, tal como qualquer cidadão português, aceder à habitação, à saúde, à educação ou ao trabalho, com salários dignos e direitos respeitados.

6.Durante anos, o SEF não conseguiu tramitar os processos que tinham pendentes – as manifestações de interesse e os pedidos de autorização de residência acumularam-se durante anos, sem resposta eficaz.

7.A extinção do SEF e a criação da AIMA não foi suficiente para que tais problemas fossem resolvidos – os processos continuaram a não ser tramitados de forma célere e os problemas agravaram-se.

8.Quando pensávamos ter ultrapassado a doutrina repressiva da gestão da mobilidade humana, privilegiando a gestão administrativa na tramitação dos processos em detrimento da gestão policial, eis que, por portas travessas, o governo ressuscita o extinto SEF – um imenso retrocesso.

9.Esta aposta policial que fortalece o espírito repressivo da nova política migratória traduz – com o aumento dos centros de detenção (que são autênticas prisões) e o enfoque no crime de auxílio à imigração – uma vontade de perpetuar a repressão e a criminalização da imigração.

10.Estas novas medidas anunciadas pelo Governo, que recuperam e higienizam a retorica racista da extrema-direita, não respondem às necessidades das pessoas.

11.Pior: a revogação dos procedimentos baseados em manifestações de interesse e a imposição da obrigatoriedade de visto de trabalho, assente num contrato de trabalho prévio, para que imigrantes possam entrar em território nacional, constituem mesmo um fator de ameaça efetiva aos direitos fundamentais destas pessoas.

12.Se a preocupação do Governo fosse genuinamente humanista, como apregoou a propaganda oficial, as soluções estariam direcionadas a resolver os problemas das pessoas, ajudando à tramitação célere dos processos de regularização, incentivando a sua inclusão social e a sua proteção contra situações de precariedade, que potenciam relações de exploração e a atividade de redes de tráfico humano.

13.Mas as alterações apresentadas não servem nenhum propósito humanista e podem até legitimar o falacioso discurso da invasão que alimenta o racismo e a xenofobia, como atestam os vários ataques violentos de que sofreram imigrantes um pouco por todo o país.

14.Desde logo, são insuficientes para garantir a celeridade processual – os processos irão continuar a demorar tempos infinitos, as filas de espera irão manter-se intactas.

15.E, tal como já se assistiu no passado, tais medidas vão atirar milhares de pessoas imigrantes para a clandestinidade e para vidas ainda mais precárias: irá aumentar o número de pessoas que não conseguirá regularizar a sua situação em Portugal, tornando-as mais vulneráveis à exploração.

16.É bom relembrar que os procedimentos de autorização de residência assentes em manifestações de interesse foram criados, precisamente, para responder a milhares de pessoas que se encontravam a viver em Portugal, que trabalhavam, pagavam impostos e faziam descontos para a segurança social, e que, ainda assim, não conseguiam obter autorização de residência.

17.Acresce ainda que o regresso à solução de obrigatoriedade de visto de trabalho, assente num contrato de trabalho prévio, para que os migrantes possam entrar em território nacional, constitui uma medida desadequada, face à realidade atual dos mercados de trabalho, e assenta apenas numa visão utilitarista dos fluxos migratório, descurando todas as demais razões que podem fundamentar a movimentação de pessoas no espaço.

18.Estas medidas edificam barreiras intransponíveis e atiram as pessoas migrantes para as redes de tráfico.

19.O SOS Racismo rejeita este Plano de Ação para as Migrações apresentado pelo Governo, que se constitui como um verdadeiro retrocesso humanista e um ataque aos direitos humanos das pessoas migrantes, e tudo fará para reverter as medidas que retomam o projeto de um país que institucionaliza muros burocráticos e legais que atentam contra os direitos das pessoas imigrantes.

4 de junho de 2024

SOS Racismo

O Presidente da Assembleia da República não reúne condições para se manter no cargo

Comunicado de imprensa

  1. Hoje, 17 de maio de 2024 e no decurso de um debate na Assembleia da República, o deputado André Ventura injuriou todos os cidadãos e cidadãs da Turquia, afirmando que “os turcos não são propriamente conhecidos por serem o povo mais trabalhador do mundo”, ao que se seguiram risos e aplausos da sua bancada parlamentar.
  2. Perante as críticas efetuadas por outros deputados e deputadas a esta conduta racista e xenófoba de André Ventura, o Presidente da Assembleia da República afirmou, categoricamente, que aquelas afirmações podem ser efetuadas ao abrigo da liberdade de expressão.
  3. Instado por outros partidos a esclarecer se era possível aquele tipo de discurso e, em concreto, se uma bancada parlamentar pode afirmar que “uma determinada raça ou determinada etnia é mais burra, mais preguiçosa ou menos digna”, o Presidente da Assembleia da República respondeu, de forma categórica, que tal era possível ao abrigo da liberdade de expressão.
  4. Nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 240.º do Código Penal, sob a epígrafe “Discriminação e incitamento ao ódio e à violência”, “Quem, publicamente, por qualquer meio destinado a divulgação, nomeadamente através da apologia, negação ou banalização grosseira de crimes de genocídio, guerra ou contra a paz e a humanidade: […] b) Difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua origem étnico-racial, origem nacional ou religiosa, cor, nacionalidade, ascendência, território de origem, religião, língua, sexo, orientação sexual, identidade ou expressão de género ou características sexuais, deficiência física ou psíquica […] é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.”.
  5. O SOS Racismo entende que as declarações de André Ventura configuram a prática do crime previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 240º do Código Penal.
  6. O SOS Racismo entende ainda que, quando alguém afirma que “uma determinada raça ou determinada etnia é mais burra, mais preguiçosa ou menos digna”, também estará a praticar o mesmo crime.
  7. Num momento em que proliferam narrativas racistas e xenófobas e que cresce um clima de elevadíssima hostilidade e criminalização das pessoas migrantes e racializadas, pede-se a todos os intervenientes o mais elevado rigor e responsabilidade política nas suas intervenções. 
  8. O Parlamento representa a democracia e deve ser exemplo da qualidade cívica face aos desafios enfrentados pela sociedade. 
  9. Não é admissível que neste espaço, figuras investidas de responsabilidade política profiram afirmações relativas a pessoas de outras nacionalidades e origens ou racializadas e que as retratem à luz de representações depreciativas, racistas e xenófobas. 
  10. Da mesma forma, não pode aceitar-se que na Assembleia da República se profiram declarações que agridem e atentam contra direitos à honra e dignidade e que, acima de tudo, alimentam representações sociais que desprotegem e colocam pessoas em riscos concretos de violência e discriminação no seu quotidiano.
  11. E certo é que a liberdade de expressão não pode, nunca, servir de biombo para legitimar o racismo, nem pode, nunca, estar acima da dignidade humana.
  12. O Presidente da Assembleia da República prestou, hoje, um péssimo serviço à democracia: legitimou que a Assembleia da República possa ser utilizada como um instrumento para discursos de ódio e práticas criminosas, que se enquadram na previsão da alínea b) do n.º2 do artigo 240 do Código Penal.
  13. Esta sua atitude acabou não só por legitimar todo o discurso de ódio da extrema-direita, como servirá para o amplificar, deixando cada vez mais desprotegidas as suas vítimas.
  14. É função do Presidente da Assembleia da República defender a Constituição, a Lei e os direitos fundamentais de todas as pessoas – sobretudo, o direito à dignidade humana. 

Neste sentido:

– O SOS Racismo entende que o Presidente da Assembleia da República não tem condições para continuar a exercer as suas funções

– O SOS Racismo apela ao Ministério Público que instaure os procedimentos legalmente previstos para que as condutas em causa sejam devidamente investigadas, à luz do disposto no artigo 240º do Código Penal

17 de maio de 2024

SOS Racismo

COMUNICADO Grupos racistas e xenófobos organizam ataques a imigrantes no Porto

Nos últimos dias, um grupo organizado de pessoas constituiu uma milícia para invadir casas e atacar imigrantes na cidade do Porto. Com recurso a bastões, paus e facas, este grupo espancou várias pessoas imigrantes, dentro das suas casas. Os ataques foram planeados e devidamente organizados, para espalhar o terror e atacar o maior número de imigrantes possível. As habitações foram destruídas e várias pessoas tiveram de receber tratamento hospitalar.

Perante isto,

  1. O SOS Racismo está solidário com todas as vítimas de racismo e xenofobia. Estamos ao lado das pessoas imigrantes e racializadas, sempre e a qualquer hora. E tudo faremos para as proteger e para que os autores dos atos criminosos, racistas e xenófobos sejam levados a Tribunal e julgados pelos crimes cometidos.
  2. O SOS Racismo condena esta onda de violência racista extrema, que se tem vindo a intensificar nos últimos tempos. Para além destes factos recentes na cidade do Porto, relembramos, entre muitos outros: o assassinato de Gurpreet Singh, indiano, morto a tiro em sua casa, em Setúbal, por uma milícia racista; o grupo de jovens em Olhão que agrediu imigrantes indianos e nepaleses; os guardas da GNR que foram condenados pelo Tribunal de Beja por ofensas à integridade física qualificada e sequestro agravado de imigrantes em Odemira; as numerosas vitimas de exploração em propriedade agrícolas no Alentejo; os incêndios em Lisboa que provocaram dois mortos de nacionalidade indiana; as agressões a imigrantes do Brasil em Vila Nova de Gaia e no Porto; ou a morte de Ademir Araújo Moreno, cabo-verdiano, na sequência de um ataque racista e xenófobo, na ilha do Faial.
  3. São muitos, são demasiados os casos de violência racista e xenófoba – e não acontecem no vazio. Estes grupos atuam de forma concertada, porque se sentem legitimados.
  4. Legitimados pelo discurso de ódio da extrema-direita e por narrativas e discursos populistas e racistas de altos responsáveis políticos, que têm vindo a fazer associações falsas entre a criminalidade e a imigração, fornecendo o combustível necessário para alimentar a violência contra imigrantes e legitimar milícias racistas e xenófobas.
  5. A passividade do Estado no combate ao racismo e à xenofobia verifica-se nos crónicos problemas da Justiça neste capítulo, aos quais acresce a inoperância da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, que está sem funcionar desde outubro de 2023, sendo certo que, até essa data, foram poucas as reuniões dos seus órgãos e muito poucas as condenações, perante o elevado número que queixas que todos os dias são apresentadas.
  6. O que se passou nos últimos dias no Porto foi uma caça a homens, mulheres e crianças. Assistimos a práticas milicianas motivadas pelo ódio racial e xenófobo, típicas de grupos assassinos de extrema-direita. Não podemos voltar aqui – nunca mais!
  7. Exigimos, assim:

– a todos os responsáveis políticos que condenem estes atos e que condenem todos os discursos de ódio que os sustentam;

– ao Ministério da Administração Interna, que atue de imediato, fornecendo proteção policial necessária para proteger as pessoas;

– ao Ministério Público, que atue rapidamente para deter e levar a julgamento este grupo de criminosos que cobardemente atuam encapuçados;

– ao Presidente da Republica, à Assembleia da República e ao Governos, que condenem inequivocamente toda esta violência e que tomem as medidas necessárias para que as Instituições democráticas funcionem, e, em especial, para que a Comissão Para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial funcione.

8. Mas exigimos, sobretudo, que todas as pessoas parem para pensar sobre o momento em que nos encontramos. Sobre os efeitos de discursos de ódio. Sobre o que sobra da atuação da extrema-direita e de quem, com ela, partilha visões violentas da sociedade. Sobre quem se aproveita da frágil posição de imigrantes e fere a sua dignidade, para cavalgar eleitoralmente sobre o medo e sobre a ignorância. Escolhem a violência ou a solidariedade?

Apelamos a todas as pessoas que não se conformam e não aceitam a violência racista e xenófoba para estarem ao lado das vítimas dessa violência.

Por isso, hoje, às 22h00, os ativistas anti-racistas, juntamente com diversos movimentos sociais e cidadãos do Porto, unem-se na Praça 24 de Agosto em um gesto de solidariedade para com os imigrantes, especialmente aqueles que foram alvo de recentes ataques violentos.

É ao lado das pessoas imigrantes e racializadas que estaremos. Não desistimos. E não esquecemos, nem perdoamos a quem cometeu estes crimes e a quem os legitima politicamente todos os dias.

4 de maio de 2024 SOS Racismo

Descarbonizar, desracializar, descolonizar e democratizar, a urgência de atualizar e cumprir Abril

O advento do 25 de Abril inaugurava uma era de tripla rutura com o colonialismo, o fascismo e a pobreza endémica, enquanto anunciava um horizonte de esperança pela emancipação socioeconómica da maioria do povo, com a melhoria das suas condições de vida, vulgarmente chamada desenvolvimento económico. Os famosos “3D’s” (descolonizar, democratizar e desenvolver) carregavam assim a promessa de um futuro melhor. Mas nem todos os sonhos de Abril floresceram como os cravos que carregavam essa imensa vontade de um futuro risonho. Mesmo aqueles que iniciaram uma indução de nobres e bonitas vontades e desejos políticos em rutura com os horrores do fascismo e do colonialismo não conseguiram gerar as pétalas de uma democracia plenamente inclusiva. 

Infelizmente, nenhum ‘D’ do tríptico desejo se cumpriu integralmente. Na verdade, o processo democrático foi-se alavancando num modelo económico de acumulação primitiva, onde se agudizou a transferência de rendimentos do trabalho para o capital e em que a pessoa não está no centro da política, porque a acumulação de riqueza é preterida em relação à dignidade humana. Assim, face a uma democracia inacabada e capturada pela lógica de uma política económica fundamentalmente acumulacionista que encontra a sua raiz na matriz colonial da economia portuguesa, não foi possível nem democratizar, nem desenvolver e, muito menos, descolonizar. 

O país, formatado por um imaginário de uma quimérica grandeza imperial, ficou refém de um modelo económico herdado da empresa colonial racista, em que o extrativismo voraz é o elemento essencial do modo de produção de riquezas. Tal situação instala a sociedade e a economia numa colonialidade sistémica, âncora do racialismo e da hétero-normatividade patriarcal que alimenta o ressurgimento e fortalecimento dos populismos neofascistas.

50 anos depois, perto de 50 fascistas assumidos e muitas dezenas de outros arautos de um conservadorismo nacionalista bacoco foram eleitos deputados na Assembleia da República. 50 anos depois, em vez de cumprir Abril, a disputa democrática volta a reinscrever o fascismo como alternativa política.

50 anos depois, urge não só revisitar as promessas, mas sobretudo, reatualizá-las para cumprir os sonhos de Abril. Perante a ameaça fascista e racista, bem como a crise ambiental resultante do modelo extrativista de produção capitalista, que aumenta a vulnerabilidade social e económica das pessoas mais carenciadas e daquelas que são mais expostas a todas as formas de discriminação, impõe-se uma refundação que atualize a formulação de alternativas políticas para promover a justiça racial, social e climática. 

Descarbonizar o modelo económico é a mais premente atualização das promessas de Abril para enfrentar a catástrofe ambiental em curso, salvar o planeta e a humanidade e garantir a sustentabilidade de um projeto de sociedade viável. Descarbonizar é romper com desenvolvimentismo, uma ideologia de saque e sobre-exploração. Descarbonizar é romper com a cristalização cultural da ideologia da posse como única forma de governo do mundo e dos seus recursos. A obsessão pela posse tem como sucedâneo a vontade de extração máxima de proveito, o que conduz inevitavelmente à sobre-exploração dos recursos naturais e das pessoas mais pobres, originando uma crise de sustentabilidade. Assim, a crise climática agudiza as desigualdades, provoca deslocações forçadas de milhões de pessoas e aumenta as vulnerabilidades dos mais frágeis da sociedade, mormente das pessoas racializadas. As dramáticas consequências da catástrofe ambiental, como bem comprovou a pandemia de Covid-19, fustigam mais pessoas pobres e racializadas. É urgente descarbonizar, porque sem justiça climática não há justiça racial e vice-versa.

Desracializar os imaginários e as práticas políticas é superar o racialismo como modelo de relacionamento entre povos e culturas, destruir o supremacismo e zelar para que a diferença étnica e cultural não se ossifique na ideologia do ódio, principal potenciador de violências. Desracializar é, no fundo, fazer da diferença uma riqueza e não uma tara. Desracializar é, portanto, sair da obsessão neurótica das pertenças exclusivas, seletivas, excludentes e hierarquizantes.

É urgente desracializar, porque urge essencialmente colocar a pessoa à frente da raça, ou seja, colocar a humanidade acima da racialidade. 

Descolonizar impõe romper com a subliminar vontade de passado que faz do elogio à gesta imperial e do silêncio sobre as vilanias da história colonial – nomeadamente a Escravatura – e os acontecimentos que estiveram na origem do 25 de Abril, um modus operandi hegemónico. Portanto, descolonizar impõe uma rutura efetiva com as retóricas e práticas de legitimação das consequências do colonialismo donde emanam as bases do racismo estrutural que ainda permeia as relações na nossa sociedade. Descolonizar passa por descolonizar uma conceção propriamente limitada da ideia vigente de descolonização, interrogando os consensos e os privilégios herdados da ordem colonial capitalista, mas também desafiando a hegemonia da produção de saberes e conhecimentos que recicla e mantém narrativas e práticas racistas.

Democratizar é muito mais do que assegurar uma coreografia institucional e o governo dos mecanismos da disputa política. Democratizar é recusar a normalização do fascismo, é combater a ideia de que há suficiente maturidade democrática para acomodar a pretensão do fascismo em se tornar uma alternativa. Democratizar é não aceitar a equiparação de uma ideologia da morte e do ódio com projetos políticos de emancipação e de liberdade. Cumprir Abril é ainda continuar a desocultar todas as opressões e formas de discriminação (raciais, machistas, homófobas e sexistas). Cumprir Abril é romper com a democracia de baixa intensidade que perpetua os privilégios de classe, de raça e de género. É instituir um antirracismo que só pode ser interseccional e totalmente mobilizado na luta contra a lgbtqfobia, o machismo e o racismo. 

50 anos depois de um desabrochar de esperanças por futuros melhores, a tarefa de cumprir Abril por uma sociedade livre, plural e inclusiva passa por descarbonizar a economia, descolonizar imaginários e narrativas, desracializar teorias e práticas e democratizar a disputa e partilha de poderes reais e simbólicos.

Mamadou Ba, 22-04-2024